quinta-feira, 7 de julho de 2011

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MUSEU DA LUCERNA
Génese

A génese do Museu da Lucerna está na Cortiçol.
O seu presidente, em 1994, o Dr. José Francisco Colaço Guerreiro programou para esse ano uma actividade na qual já não era nenhum principiante para a Cooperativa de Informação e Cultura, e que consistia em aventurar-se pelos espinhosos caminhos da Arqueologia.
 Começou por criar um curso livre de Arqueologia, com todo o apoio e colaboração da escola secundária e cuja programação continha lições teóricas ministradas nas instalações da escola, seguidas de uma componente prática, que consistia em saídas de campo, com vista à formação dos jovens voluntários na prospecção arqueológica, havendo sempre subjacente a ideia de acrescentar mais uns pontos à nunca completa Carta Arqueológica do Concelho.
Esta aventura que nasceu e sempre viveu do voluntariado e do entusiasmo contou, no que toca às saídas de campo, com a colaboração da Câmara Municipal de Castro Verde que muitas vezes pôs transportes à sua disposição.
No decurso de uma das acções de prospecção, dirigida pelo próprio presidente da Cortiçol e obedecendo à solicitação de uma das mais notáveis entre as muitas personalidades do Concelho com altíssima sensibilidade cultural, a Sr.ª D. Maria Mestra, moradora em Santa Bárbara dos Padrões, a saída de campo daquele dia de Maio incidiu na aldeia e arredores.
Trabalhos de ampliação do cemitério da Freguesia tinham aberto uma trincheira, na direcção este-oeste e a curiosidade irrequieta de uma aluna do curso livre, Sónia do Nascimento, levou-a a saltar para o fundo da vala. Emergiu de lá com um “caco” na mão.
O “caco” era a parte posterior, incluindo a asa e parte do reservatório e do disco de uma lucerna do tipo dito Riotinto-Aljustrel. A “brigada sénior” saltou imediatamente para dentro do cabouco aberto e recolheu, nessa única tarde e sem proceder a quaisquer escavações, dois sacos de lucernas fragmentadas, mas suficientemente completas para permitirem o reconhecimento do seu tipo e da decoração que alguns exemplares apresentavam.
Seguiram-se quatro meses de escavação sistemática e metódica, com o apoio da Autarquia e que permitiram a recolha dos milhares de lucernas que constituem o acervo do Museu da Lucerna.
O Museu da Lucerna é um museu monográfico dedicado a Santa Bárbara de Padrões e sujeito a um tema: as lucernas.

Museografia

O Museu da Lucerna, embora seja monográfico, na sua vocação primeira, contempla, no programa que moldou a sua fundação, uma atitude inteiramente dinâmica que consiste em almejar estabelecer a ponte entre a Antiguidade Clássica, de que se ocupa e outros períodos do Passado, mas também com o Presente.
Neste sentido, e quando foi feita a partição do espaço destinado à exposição, reservou-se logo um sector polivalente e multimédia, destinado a acolher actividades paralelas e complementares da Exposição de Longa Duração.
Entre estas actividades têm tido lugar de destaque as Exposições Temporárias que consistem basicamente em tratar um tema sugerido pelo acervo do Museu, com maior profundidade do que seria possível, na Exposição de Longa Duração.
 Embora consciente do aforismo segundo o qual “um museu não é um livro em pé”, incluí muita informação escrita na “exposição permanente”. Há, porem limites e só em exposições temporárias é possível tratar com maior profundidade temas relacionados com a decoração ou outras características de algumas lucernas.
As exposições temporárias têm reflectido sempre um grande esforço no sentido de oferecer ao público uma forte animação gráfica, mérito do actual presidente da Cortiçol, o artista Joaquim Rosa. Nenhum texto é apresentado sem uma fotografia ou um desenho que ilustre o seu conteúdo e existe sempre uma forte componente de encenação que levou à criação de ambientes evocativos do tema a tratar.
Se o Museu da Lucerna lograr despertar no seu público o desejo de conhecer melhor alguns dos temas que seleccionei para as exposições temporárias, estará a realizar um dos pontos fundamentais do seu programa.
Isto porque os Museus não se podem eximir à sua função formativa, educadora e de divulgação, por muito elitista (ou paternalista) que este discurso possa parecer, frente a novas correntes que postulam um predomínio das apetências do público, sobre o seu tema e a sua programação museológica, obedecendo ao primado do mercado, numa lógica comparável à das estratégias comerciais.
Esvaziem-se os Museus da sua vocação de oferecer a todos a possibilidade de usufruir dos seus acervos, inventariados, catalogados, estudados e divulgados, e caminharemos para “parques temáticos” aparentados com disneylândias, ou recuaremos até aos gabinetes de curiosidades privados que estiveram na sua génese. Deitaríamos a perder um importante meio que se tem vindo a desenvolver, desde o século XVIII, de convidar todos a contemplar objectos raros ou belos, numa primeira fase e de adquirir cultura, numa evolução mais moderna.

Museografia

Quanto ao discurso museográfico, optou-se por uma posição eclética, procurando o equilíbrio entre a sobriedade dos mostradores, dotados de tabelas lacónicas, e painéis autónomos que mantêm o registo de sobriedade no que respeita à estrutura e cor de fundo, mas que veiculam muita informação escrita e gráfica.
A iluminação é uniforme em todos os mostradores, o que é um defeito a corrigir, porque nem sempre a orientação da luz permite a perfeita leitura de todos os pormenores da decoração, das marcas ou dos tipos, prejudicando o diálogo directo e intimo entre as peças expostas e o público que é a razão de ser primeira de todos os museus.

Erótica, ou o mito de Eros

O Museu da Lucerna abriu as portas no dia 16 de Abril de 2004, com a sua Exposição de Longa Duração e a Exposição Temporária “Erótica, ou o mito de Eros”. Porquê este tema?
 Com a abertura do Museu, tinha-se posto fim ao seu processo de montagem, que era o culminar de um longo trabalho de lavagem, colagem, classificação, desenho e inventariação de milhares de peças. Simbolicamente, passava-se do caos à ordem e Eros era a escolha óbvia.
Eros simbolizava todo o amor posto neste processo e, ao mesmo tempo, estávamos a demonstrar pela prática o poder do Mito que, longe de ser uma forma primitiva de mundividência, é já resultado de profundas elucubrações e ainda a corroborar o dizer de Victor Jabouille, uma das maiores autoridades portuguesas contemporâneas sobre este tema, que escreveu “O Mito, reinventado, ou simplesmente recordado, faz parte do nosso quotidiano, como realidade ou, simplesmente, como referente.”
 Segundo a lenda grega, o Amor eclodiu de um ovo, sem ser gerado, sendo uma das mais antigas entidades saídas do Caos original e anterior à própria geração dos deuses, porque, sem desejo sexual, não há procriação.
 Devemos a mais antiga referência escrita a Eros ao poeta grego Hesíodo (meados do século VIII a.C.) que na sua obra poética Teogonia, diz: “Eros, o mais belo dos deuses imortais, aquele que tira a força aos membros e que domina o coração e a vontade esclarecida, no peito de todos os deuses, como no de todos os homens”.
Alceu de Lesbos, dois séculos mais tarde (século VI a. C.), com certo cinismo e desencanto que o caracterizam, diz de Eros “tu, ó mais horrível dos deuses”e, no século seguinte, Aristófanes dá-nos a sua versão do nascimento do deus: “ A Noite de asas de breu, no regaço do profundo e negro Érebro (o vazio, o abismo) depôs um ovo trazido pelo vento e, com a sucessão das estações, brotou Eros, o desejado, vintilante, com asas de ouro”.
Ao longo da literatura / mitologia grega, o pai de Eros foi sendo identificado com Ares (deus da guerra), Hermes (originalmente, deus da fertilidade) e Zeus (deus do poder). A mãe acabou por ser identificada com Afrodite, deusa do amor sexual. Foi esta a maneira racional que os antigos gregos encontraram para tornar compreensível o carácter do pequeno ser divino, tão pouco lógico, mas tão poderoso.
“ O amor é cego”, diz o aforismo popular e, na Antiguidade Clássica, ele é muitas vezes representado com os olhos vendados, porque as suas setas atingem todos, de forma aparentemente indiscriminada. Cupido, a versão romana de Eros foi representado plasticamente como um menino frágil, rechonchudo, ternurento e brincalhão e a figura familiar do “anjinho barroco”, gorducho e alado deriva directamente desta iconografia romana.
Vénus, a interpretação romana da Afrodite grega, era a personificação das forças criadoras da natureza, que assegura a continuidade das espécies. Era a encarnação do Amor, Primavera, Beleza e todos os encantos. Estava conotada com o mar (emergiu dele) e Cupido, já quase unanimemente entendido como seu filho, é representado como uma criança alada que cavalga hipocampos e golfinhos.
Na iconografia romana e também na colecção de Santa Bárbara, Eros é frequentemente equiparado a Herakles, o semi-deus filho de Zeus e de uma mortal, que é dotado de uma força excepcional. Realizou numerosos trabalhos impossíveis e alguns dos seus símbolos são um grosso cacete e uma pele de leão, evocando alguns dos famosos “trabalhos de Hércules”. Estes dois símbolos são colocados em Cúpidos – Erotes, pretendendo significar que o aparentemente frágil Amor tem uma força surpreendente, equiparável à de Hércules.
Na arte romana, a distinção entre alados infantis, Erotes e amorzinhos gorduchos, desempenhando as mais diversas funções humanas é praticamente inexistente, a nível plástico. Era uma forma de mitigar os duros cenários da vida quotidiana e de suavizar a representação dos pesados trabalhos (sobretudo agrícolas), idealizando-os e tornando-os edílicos, de forma a transmitir uma mensagem de optimismo e de bem-estar. Esta temática figura, com muita frequência em frescos domésticos, mas também e significativamente, em baixos-relevos que decoram sarcófagos.